História do 1o. G.E. São Paulo
Texto de Walter Schlithler por ocasião da comemoração dos 80 anos na Assembléia Legislativa de São Paulo:
Escoteiros, chefes, Srs. Deputados, senhores e senhora, meu nome é Walter Schlithler, sou antigo escoteiro do Primeiro Grupo de Escoteiro São Paulo. E, por ter exercido a chefia, por algum tempo fui chamado de Chefe Walter.
Em primeiro lugar quero dizer que não estou aqui para falar da história do Primeiro Grupo Escoteiro São Paulo em meu nome pessoal, mas em nome de todos aqueles que contribuíram decisiva e desinteressadamente para que o nosso grupo escoteiro chegasse a esta idade respeitável dos 80 anos. Entre esses elementos, gostaria de mencionar principalmente aqueles que já partiram para o Grande Acampamento, que foram os protagonistas responsáveis pelos sólidos alicerces que nos permitiram chegar até aqui.
Em primeiro lugar, Rodolfo Malampré, cidadão inglês que fundou um grupo em 1923, trazendo da Inglaterra a semente do escotismo puro, criado por Lord Robert Baden Powell; chefe José Spina, que nos deu uma grande contribuição técnica; Chefe João Moss, que com seu apurado senso administrativo, não só cuidou da nossa organização, como se preocupou em deixar registrado passagens importantes da vida do nosso grupo. Também os chefes Jorge Zeriberh Baer e Eugênio Pfister, que trabalharam muito no sentido de manter viva a chama do puro ideal escoteiro que sempre norteou a vida do nosso grupo.
Fui escolhido para falar sobre a história do grupo; não porque tenha tido uma atuação muito destacada, mas porque sou uma testemunha viva da sua longa existência, pois ingressei no Primeiro Grupo Escoteiro São Paulo em 1933. O Primeiro Grupo Escoteiro São Paulo tem realmente uma longa e respeitável história de serviços à comunidade, trabalhando na formação da juventude, através do método escoteiro de educação.
Fundado em 1923 com o nome de Associação de Escoteiros Católicos, congregava àquela época, vários grupos denominados tribos, e com nomes indígenas, localizados em várias paróquias da cidade que lhe cediam espaço. Eu, por exemplo, pertencia à tribo Guarany, com sede na igreja de Santa Generosa.
Por volta de 1930, para melhor caracterizar o trabalho de um escotismo puro, que era então desenvolvido no nosso grupo, os chefes decidiram mudar o nome da associação para “Boy Scouts Paulista”, continuando sua brilhante trajetória.
Em 1941, para se adaptar aos regulamentos vigentes, passou a se chamar Associação de Escoteiros São Paulo, e posteriormente, atendendo a instruções emanadas da União dos Escoteiros do Brasil, a se denominar Primeiro Grupo Escoteiro São Paulo; primeiro, naturalmente, devido a sua antigüidade no movimento. Este grupo atravessou estes anos e chegou até aqui portando uma admirável vitalidade, que pode ser constatada a qualquer momento. Isso pela simples razão de que nunca abdicou da sua obrigação de praticar o escotismo autêntico Baden-Powell. Belíssimas passagens ocorreram, evidentemente, nesses 80 anos de vida escoteira. Mas infelizmente não temos o tempo hábil para as relatar aqui. Porém, gostaria de mencionar aquelas mais importantes, que demonstram o alto espírito de serviço, característica básica do escoteiro, que sempre pautou o comportamento dos seus membros.
Em 1932, por ocasião da Revolução Constitucionalista, aderindo ao alto espírito cívico que predominava na época, o nosso grupo escoteiro se atira, de corpo e alma, no serviço à comunidade paulista. E, além de executar tarefas na cidade, decide mandar para o fronte de batalha seus chefes escoteiros maiores de 15 anos para servir nos hospitais de sangue, junto à Cruz Vermelha Brasileira. Somente para ser ter uma idéia do trabalho realizado na ocasião, vou ler trecho do prefácio da 2ª edição, escrito pelo Chefe José Spina, do relatório do evento preparado pelo chefe João Moss, que foi enviado a Baden Powell, que respondeu congratulando-se com todos os membros do nosso grupo: “As equipes da Cruz Vermelha, com suas divisões de especialistas em transportes, abastecimento, farmácia, medicina de campanha, etc.; gente de escol e altamente qualificada, como provaram do começo ao fim, julgaram aqueles meninos de calções curtos um estorvo”. Todos pensaram assim, alguns mais francos disseram. Essa situação durou uma semana. Mais uma semana e passamos a ser tolerados para, em seguida, sermos considerados indispensáveis.
Prova-o a ordem emanada da Chefia da Cruz Vermelha em campanha, de que todos os núcleos a serem implantados deveriam incluir escoteiros. O trabalho notável da Cruz Vermelha se caracterizaria dali por diante, em todos os setores, pela participação escoteira. Nos hospitais de base preenchiam todos os claros guiando ambulâncias, providenciando abastecimento, trabalhando no preparo de medicamentos, assistindo aos feridos. Cada posto avançado da Cruz Vermelha compreendia tipicamente um médico, um enfermeiro e um escoteiro.
Mais adiante diz que centenas de exemplos edificantes poderiam ser relatados, mas por questão de espaço cita apenas um. E ele começa: “Som surdo do troar dos canhões e das granadas que passam sibilando. Ambulância geme nos freios diante do hospital de campanha, trazendo mais feridos. Na sala de operações a ansiedade é geral e os olhos dos presentes vão do ferido que está sendo atendido com parada cardíaca ao teto, pois todos temem que a próxima pode cair aqui. O cheiro do clorofórmio entorpece. As mãos tremem. E como conseqüência algumas coisas não são mais feitas da maneira ortodoxa. Quando o nervosismo parecia atingir a todos o cirurgião baixou a máscara que tinha sobre a boca e, como voz pausada e firme, disse: “Senhores, parece que o único que tem calma aqui é o escoteiro.”
Isso é para se ter uma idéia do que foi então essa participação na Revolução de 1932 junto à Cruz Vermelha Brasileira, o ponto alto da vida escoteira do grupo. Pôde-se constatar sob as condições extremas da época, naquela situação, o alto grau de formação escoteira que o grupo proporcionava a seus membros, demonstrando que realmente estávamos no caminho certo da prática do movimento, fato confirmado aliás por Baden-Powell em sua carta. Havíamos, na verdade, passado pela prova máxima.
Além disso, em datas posteriores, o primeiro grupo contribuiu e muito, através do trabalho de seus chefes, para o desenvolvimento do escotismo nacional, participando de cargos em diversos escalões e tendo como destaque a elaboração e a direção do acampamento internacional de patrulhas, realizado em 1954, como parte do IV Centenário da Cidade de São Paulo, quando a maioria da equipe diretora do acampamento vinha dos quadros do Primeiro Grupo Escoteiros de São Paulo.
Destaca-se ainda a colaboração com o movimento internacional, auxiliando na implantação do curso de Insígnia de Madeira, que é a formação de chefes escoteiros pelo Bureau Mundial Escoteiro, tanto no Brasil como em outros países da América do Sul. Temos ainda o privilégio de ter um dos nossos chefes - Eugênio Pfister - convidado para ser o Executivo Nacional do Escotismo na Venezuela, onde realizou um trabalho profissional magnífico de recuperação do movimento escoteiro naquele país.
A que devemos essa brilhante carreira de 80 anos? Primeiro, a não nos afastarmos nunca do ideal escoteiro de BadenPowell, esse genial general inglês que deixou uma carreira brilhante no exército para se dedicar à formação da juventude, não só em sua terra, mas em todo o mundo, visando como objetivo máximo a fraternidade universal. A não nos afastarmos do objetivo do movimento que é a formação de cidadãos aptos física, moral, intelectual e espiritualmente, através da prática do campismo. E a desenvolver o que se chama “espírito escoteiro”, baseado na lei e na promessa escoteira que desenvolve o caráter do jovem, orientando-o para Deus e para o serviço à Pátria e ao próximo. E finalmente a desenvolver o espírito do São Paulo, baseado nessa riquíssima tradição de 80 anos, cuja continuação colocamos agora nas mãos da geração atual de chefes e dirigentes, que certamente saberão conduzir o grupo com brilho, mantendo altos os ideais que sempre nortearam a vida gloriosa desta entidade escoteira. Muito obrigado. (Palmas.)